Nos últimos dias, uma das mais tradicionais universidades do Rio Grande do Sul, a PUCRS, demitiu cerca de 100 professores de diversas áreas. De acordo com matéria do Sul 21, “a redução do número de alunos, do número de créditos contratados por alunos e de recursos provenientes de programas como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) atingiram diretamente o ensino privado superior nos últimos meses, resultando em demissões e cortes de gastos e investimentos”. Em nota, a universidade afirma que “diante de um cenário político-econômico nacional de profunda instabilidade e incertezas, e dos desafios da educação superior no Brasil, que envolvem a redução no número de estudantes, as instituições precisam, necessariamente, adequar-se periodicamente a esse contexto”.

Foto: Divulgação
Uma das demitidas foi a professora doutora Isabel Cristina de Moura Carvalho, pesquisadora 1 CNPq. Ela escreveu o texto a seguir para falar sobre a situação:
Reflexões sobre os sentidos ético-políticos de uma demissão
Este ano finalizei 04 anos de coordenação do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUCRS, nota 06, onde administrei recursos do Programa de Excelência, da CAPES, o PROEX. Em 12/07, dei o último clic no botão enviar na Plataforma Sucupira, encerrando a prestação de contas do quadriênio. No mesmo dia fechei as notas das duas disciplinas que ministrei este semestre na graduação e de uma na Pós-Graduação. Respirei aliviada.
Em 13/07, recebi a notícia de minha demissão: “Você não vai continuar na PUCRS porque não há carga horária na graduação para você”. Isto me causou profunda tristeza. Sinto que o que está sendo rompido, neste destrato, sob a alegação de uma contabilidade administrativa de horas aulas na graduação, é o compromisso institucional com o projeto de excelência acadêmica no qual muitos professores, como eu, apostamos. A universidade não pertence exclusivamente aos seus administradores. Ela é feita de cada um de nós – professores, pesquisadores, técnicos administrativos e estudantes – que empenhamos nossas vidas num projeto comum. É deste lugar que me pergunto: que universidade é esta onde trabalhei a última década?
Tenho a consciência tranquila de ter dado o meu melhor e contribuído efetivamente para a excelência acadêmica da PUCRS. No último quadriênio, o Programa que coordenei apresentou indicadores de produção e internacionalização para manter ou aumentar sua nota na atual avaliação da CAPES. A função de coordenadora do Programa não me impediu de estar em sala de aula na graduação e Pós-Graduação. Sou líder do Grupo de Pesquisa Interinstitucional no CNPq (SobreNaturezas) e participo de outros dois Grupos, voltados para o tema da Formação e Regulação da Ética na Pesquisa. Sou membro do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e da Comissão de Gestão Ambiental (CGA). Participo ativamente das atividades do Instituto do Meio Ambiente. Estava em processo de credenciamento num segundo Programa (Ciências Sociais) na Escola de Humanidades.
Quanto à produção científica e à formação de pesquisadores, nos nove anos que estive na PUCRS, publiquei 26 artigos em periódicos qualificados, 41 capítulos de livros e organizei 09 coletâneas. Orientei 09 mestrandos, 10 doutorandos, 04 pós-doutorandos PNPD/CAPES, 08 bolsistas de IC. Atualmente tenho 06 orientações em curso. A minha produção foi avaliada e a bolsa de Produtividade do CNPq reclassificada de nível 02 para nível 01. Meus projetos de pesquisa foram contemplados em 01 Edital Ciências Humanas e 02 Editais Universais. O último deles, Universal/CNPq 403008/2016-6 01/2016 – Faixa C – até R$ 120.000,00, foi implementado esta semana.
Para além da universidade, tenho mantido atuação nacional e internacional. Faço parte da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPED) onde atualmente assessoro a Diretoria no tema da ética na pesquisa. Coordenei recentemente um convênio internacional com a Universidade de Paris V, com a realização de um seminário em Paris que envolveu vários colegas e alunos da PUCRS e resultou na organização de um livro, publicado na França (Hermes Editora, 2017). Este ano fui aceita como professora convidada no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e tive meu projeto de Estágio Sênior para esta inserção internacional aprovado pelo CNPq. O pedido de afastamento da PUCRS, para realização desta atividade, foi respondido com a demissão.
Este acontecimento pessoal, no momento histórico em que vivemos, anuncia para nós, pesquisadores, o desinvestimento na ciência e o esvaziamento da vida intelectual. A dor não é apenas pessoal mas também ético-política. O que está sendo descartado sumariamente é um projeto científico e acadêmico, no qual tantos de nós acreditamos e investimos nossas vidas, dando o melhor de nós.
Isabel Cristina de Moura Carvalho
Porto Alegre, 14 de julho de 2017
21 Comentários
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Senti toda sua dor e compreendi o desabafo…
Cara professora, sou solidário nessa sua situação, tenho certeza que o legado que a senhora deixou ecoará por décadas, você orientou e capacitou acadêmicos que falarão do seu trabalho, apodere-se dessa construção intelectual e procure essas pessoas, não para pedir e sim para, proativamente se apresentar para novas empreitadas. O momento agora, suponho, é de dor, ela passa, o tempo cicatriza, curta isto senão ela pode teimar em te visitar constantemente. Uma guerreira, às vezes, precisa parar para novas batalhas, bjs Jorge Bezerra
Sou formada pela PUC é visível a desqualificação de muitos alunos que entram na Universidade ultimamente. Só poderia dar nisso respingar nos Professores qualificados.
Infelizmente o governo ajudou tudo no que está ocorrendo um des nivelamento geral. Espero que com o tempo às coisas se resolvam para melhor.
A contabilidade da PUCRS não vê o tamanho do prejuízo ao dispensar pessoas de valor.
A “contabilidade” da PUCRS nao vê o prejuízo ao dispensar pessoas de valor, como essa professora.
Professora essa é a universidade que não sonhamos. É a universidade que não possui compromisso com a pesquisa, com a ciência ou mesmo com a educação. O que importa é dinheiro. Pode ser familiar, da igreja ou ter qualquer outro modelo, o que importa é o lucro. Uma pena ter que ler um relato como esse da senhora.
Aconteceu o mesmo comigo na Feevale, alguns meses após ter sido promovida à professora Titular devido a minha produtividade, em apenas 6 anos de Universidade. Esse sistema sem tenure track das Universidades privadas do Brasil é lamentável. Certamente a tua excelência acadêmica te fará cair para cima, como de certa forma, ocorreu comigo. Mas é realmente lamentável que seja dessa forma.
É muito desalentador uma notícia desta natureza quando se perde profissionais gabaritados, quem perde é o país, pois o desenvolvimento e o progresso passa obrigatoriamente pelo Ensino Superior em seus diversos cursos de graduação, mestrado e doutorado. Espero que as tecnologias (TICs) venham a agregar melhorias ao ensino, mas nunca substituirá os professores.
Esta semana estava ouvindo na rádio sobre a desvalorização da acadêmia, pesquisa, desenvolvimento e empreendedorismo no Brasil. Não lembro o nome do especialista, mas afirmou quebse continuarmos nesse rumo, em Breve o Brasil vai voltar a viver exclusovamente do gado e pecuária. Lamentável, essa é mais uma professora que deve ir para o exterior e acabar ficando por lá.
São somente os primeiros reflexo da má, péssima, nefasta administração do impostor Temer.
OK
Sinto muito pelo que aconteceu com vc. Me solidarizo pois faço hidroginástica na PUC, onde foi sumariamente demitida uma professora com doze anos de casa. Sem grandes avisos, assim, do nada, uma pessoa que tem uma vida programada, suas contas, seus compromissos a vencer, certamente contando com os próximos salários que não virão. Muito triste. Muito grave o que estão fazendo com nosso país.
E interessante demitir. Demitir quem produz. E interessante. O caminho e mais curto. Nao curto. O caminhar e todo devagar. Deixa, eles sentirao a sua falta
.
Infelizmente a politicagem esta acabando com os nossos sonhos e com o nosso futuro.
Entendo o desabafo mas já sabemos que no Brasil nada de muito relevante para a comunidade científica mundial tem acontecido. São meros coadjuvantes e na teoria publicações e títulos São bem vindos. Na prática não temos acrescentado em nada para a ciência mundial. Isso está de acordo com o país que não tem protagonismo no mundo atual e os cara bons mesmos já estão fora daqui.
Uma pena.
Professora, há um macro projeto de governo em andamento para entregar o nosso país a governos estrangeiros. Quebrar a produção intelectual é um dos itens desse macro projeto. Outros itens são a quebra da indústria nacional, vide a quebra que está ocorrendo nas indústrias petrolífera e naval. Nessa lógica, as boas universidades serão colocadas abaixo porque são centros de pesquisa capazes de reerguerem o país e não é para isso acontecer. Você batalhou pelo Brasil, fez a sua parte. Tenha o coração tranquilo. Boa sorte na sua caminhada.
Triste demais essa história!! Acontecer isso com uma professora e pesquisadora tão renomado, com um currículo desse nível é desacreditar na educação e na ciência no Brasil!! Fazer o que…..?
Bom dia.
A maior parte das pesquisas acadêmicas no Brasil não servem para nada… Só tem serventia para inflar a carreira e o ego dos pesquisadores… Os pesquisadores estão mais preocupados em seus títulos do que contribuir realmente para a sociedade… Falo a maioria, porque tem uma minoria que realmente faz acontecer… O contribuinte está cansado de financiar projetos pessoais de pessoas que estão preocupadas apenas em si.
Resumindo: vão trabalhar.
Parabéns, professora, pela trajetória profissional e coragem de seu texto! Vergonha de nosso país e seus administradores! Feito o relato, canalize seus pensamentos e sua energia para novos projetos, que certamente virão.
Me solidarizo contigo professora.
Mas acho estranho sua dispensa ocorrer no meio do ano letivo.
Caso lhe interesse, faça contato com a advogada Denise Filippetto, em Curitiba.
Um abraço
Ideonor Novaes da Conceição
Curitiba/PR
Prezada professora Isabel,
Muito triste saber que você foi demitida da PUCRS. Admiro, cada vez mais, o seu trabalho e a sua coragem de escrever esse texto em forma de um desabafo. Considero sua demissão, pelo legado que você deixou na PUCRS, uma grande injustiça!
Fui sua aluna na disciplina de Pesquisa e aprendi muito em suas aulas, baseadas em profundas reflexões e discussões, que, hoje, me levam a pensar nos sentidos e significados da pesquisa no Brasil.
Comenta-se na “rádio corredor” que a maioria, dentre esses 100 professores demitidos, são desembargadores, advogados, médicos, que acham ultrajante ministrar aula na graduação. Não foi o seu caso …lastimável simplesmente dispensar a coordenadora do PPGEDU que consegue manter nota 6, bolsista de Produtividade do CNPq nível 01, profissional comprometida com a ética e a qualidade da educação. É um total descaso com a pesquisa – este é o Brasil que temos!
Tenho certeza que, em breve, estará compartilhando o seu conhecimento em uma outra IES que irá lhe acolher e desejo-lhe sucesso nos novos desafios que irão surgir.
Um grande e carinhoso abraço!
Margô- Doutora em Educação pela PUCRS (na gestão da profa. Isabel)